O Brasil do carnaval sem folia se deparou na quarta-feira ingrata com mais uma notícia para tirar o foco da falta de vacinas: a prisão do deputado federal Daniel Silveira. Acusado de crimes contra a segurança nacional, o parlamentar foi preso em sua casa, em flagrante delito, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, nos autos do famoso inquérito das Fake News.
Daniel Silveira, em vídeo de 19 minutos, pregou o fechamento da Suprema Corte, ofendeu e ameaçou os ministros e incitou atos de violência contra as instituições democráticas. Esqueceu-se de que o cargo dele, deputado, só existe em razão da democracia.
A situação é bem curiosa: em sua defesa, o deputado alega a liberdade de expressão e imunidade parlamentar, institutos que só existem em razão do Estado de Direito que ele próprio pretende ver cessado.
Desse contexto nasce a dúvida: devemos tolerar os ataques à democracia em nome das próprias garantias por ela permitidas? Em nome da liberdade de expressão e pensamento, deve-se permitir as ofensas contra as instituições democráticas, cujos objetivos pretendem, justamente, o fim daquelas liberdades? Como bem pontuado por Gustavo Freire, citando Karl Popper, a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da própria tolerância.
Ora, a liberdade de expressão não é soberana, e encontra óbice nas sanções penais e civis. Enquanto o Direito Penal protege a honra e a imagem do cidadão, o direito civil garante a reparação de danos. E a imunidade parlamentar também não é absoluta: como já decidido antes pelo próprio STF, ela só se aplica quando as palavras do congressista têm relação com a função parlamentar. Nesse caso, se o discurso não foi proferido dentro da casa legislativa e não tem conexão com a atividade do deputado, não há imunidade.
Não penso ser aceitável que um líder político afronte as instituições democráticas, incite o ódio e a violência contra o livre exercício dos poderes e, ao final, saia impune, sob o manto da liberdade de expressão. Se o discurso do deputado ganhar corpo na sociedade, a consequência será o fim das próprias garantias constitucionais, em prejuízo de todos os brasileiros. Devemos refletir sobre isso, para não repetir os erros do passado.
Maria Carolina de Melo Amorim
Carolina Amorim é Doutora em Processo Penal pela PUC/SP, Mestre em Direito Público pela UFPE, Diretora Jurídica da UNACRIM e Conselheira Estadual da OAB/PE.
Advogada Sócia do Escritório Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla e Leitão – Advocacia Criminal
carolina@rigueiraadvocacia.com.br
Fonte: https://www.diariodepernambuco.com.br